quarta-feira, 5 de setembro de 2012

O desfile militar fomenta a cultura da guerra


Flávio Rezende
escritorflaviorezende@gmail.com

Não preciso utilizar muitas linhas deste artigo que tem espaço limitado para afirmar que existem influências diversas na vida de todos nós. A propaganda que induz a compra, a alegre narrativa de um jovem sobre uma viagem alucinógena que conduz ao uso de drogas e até o discurso inflamado de alguém que influencia em decisões várias.

Concluída esta introdução convoco meus leitores a uma reflexão acerca da parada militar do dia 7 de setembro. Ela acontece como parte das comemorações por nossa independência de Portugal, a partir de 1822. Neste dia, milhões de brasileiros saem de suas casas com seus filhos para presenciar o desfile de soldados, armas, voos de aviões, numa sequência de armamentos diversos que revelam ao povo brasileiro e seu poderio militar.

Imagine você uma criança, ao lado dos seus pais e/ou amigos, vendo in loco ou pela TV todo aquele arsenal, com a presença das mais altas autoridades civis como a presidenta, ministros, governadores, prefeitos, deputados, senadores, padres, bispos e vereadores, certamente esta criança vai pensar que armas, guerras etc., são coisas absolutamente normais, introduzindo desde cedo em suas mentes, à aceitação da cultura da guerra.

Pode parecer um pensamento simplista, descabido, mas é assim que a cultura da guerra vai se instalando em nossas vidas. Observe o tratamento que é dado aos ditos heróis das guerras e aos pacifistas no sistema tradicional de ensino. Todas as guerras são narradas e seus personagens destacados, trabalhos são feitos, peças de teatro incentivadas. O que acontece com os pacifistas? Pergunte a seu filho quem são os pacifistas, se ele conhece algo sobre Iara Lee, Chico Mendes, Dom Helder Câmara, John Lennon, Steve Biko, Madre Teresa de Calcutá, Francisco de Assis, Martin Luther King Jr, Jeff Halper, Jesus Cristo, Sathya Sai Baba, Élie Ducommun, Théodore Monod, Gandhi, João Paulo II, Desmond Tutu, Albert Sshweitzer, Mikhail Gorbachev, Henry Thoreau?

Claro que alguns são destacados, mais pelas questões políticas, religiosas e/ou culturais, que pela militância pacifista, mas, nas escolas os guerreiros tem ibope, tais como, Marechal Deodoro da Fonseca, Duque de Caxias, Almirante Barroso, Almirante Tamandaré, Winston Churchill, Charles de Gaulle e, hoje, os heróis dos filmes, dos fanzines e dos livros diversos.

A cultura da guerra, que torna a violência aceitável e até banal para todos nós, ganha espaço até em nosso linguajar. Quando vamos dizer para alguém que estamos tentando conseguir algo, o que dizemos? Estou batalhando por um novo emprego. Estou lutando para conseguir um ingresso para o jogo de domingo. Essa cultura do confronto é incentivada nos colégios por causa da competição para o vestibular, não se fala em ética, se fala em meter bronca e conseguir a vaga, subliminarmente levam nossos jovens para o confronto com os demais.

Alguns antropólogos afirmam que isso está na raiz de nossa raça, que é natural esse instinto guerreiro, até necessário. Enquanto uns defendem esse ponto de vista, seres, que em minha opinião, alcançaram os mais altos degraus de nossa espécie, dizem o contrário, que o certo é a cultura da paz, que devemos investir na ajuda mutua, caminhar juntos, até oferecer a outra face diante da agressão.

Tenho procurado direcionar meu trabalho jornalístico, literário e social para o lado dos pacifistas, acredito que devemos influenciar a sociedade de maneira positiva, acredito que o desfile do 7 de setembro devia ser dos civis com representação dos militares dentro do conjunto e desarmados, como seria isso?

Um desfile com médicos, estudantes, advogados, artistas, cada categoria faria sua comemoração da maneira que achasse correta, protestando, elogiando, com faixas, cartazes, malabarismos e, no meio, pois fazem parte da sociedade, os militares, mas sem armas, para que as crianças não fiquem achando que é normal empunhar armas, o normal é uma sociedade desarmada, é isso que precisamos difundir, que somos seres nus, não precisamos de armas, desse instrumento que nos separa, que nos extingue, mas, como as armas são reais, tudo bem, que fiquem guardadas neste evento, para uso em outro momento, não nesse, avalizado por autoridades, com a presença das famílias.

Vamos então atrair toda a sociedade para o desfile cívico do 7 de setembro, fazer dele uma festa brasileira e não um desfile militar que passa para as crianças que usar armas é normal, que todos aprovam, inculcando no fundo de suas mentes, já tão cedo, uma cultura que, no fim, só ajuda a nos tornar cada vez menos, humanos.


* Flávio Rezende é escritor, jornalista e ativista social em Natal.

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